ROBLEDO DE MORAIS: Felicidade

Felicidade é ter algo o que fazer, ter algo que amar e  algo que esperar”.
Aristóteles

Já fazia um oceano de tempo que não se encontravam, desde quando estudaram em um colégio em regime de internato. Porém, ao contrário do que se possa deduzir, o “internato” era um verdadeiro Shangri-lá, paraíso incrustado numa graciosa cidade do interior do estado de São Paulo. Ali, uniformes e rigidez eram abolidos.

Gozava-se de intensa liberdade e, ao modo dos indígenas, usava-se apenas vestes sumárias (calções e camisetas), preponderando os bustos nus. Gozava-se de plena liberdade, feito passarinhos livres de gaiolas, a voejar, flanando entre os arvoredos acolhedores. 

Sem ter consciência, contrariavam aqueles meninos o verso do compositor Ataulfo Alves “eu era feliz e não sabia”, da canção “Meus tempos de criança”! Eram felizes e disto não tinham dúvida!

Ah, e além da profusão de esportes, os alunos eram brindados com sessões diárias de cinema, predominando as películas de comédias aventuras e faroestes. Comédias:  Mário Moreno (Cantinflas), O Gordo e o Magro e o brasileiro Mazzaropi; aventuras: Charlton Heston e Gregory Peck; faroestes: Gary Cooper, Kirk Douglas e Burt Lancaster.

E transtornavam os alunos – com a testosterona em ebulição -, as deslumbrantes Brigitte Bardot, Sophia Loren, Gina Lollobrigida e muitas outras provocantes atrizes. Eram momentos de plena felicidade!

Como dito no início, muito tempo fazia que os dois ex-alunos não se encontravam. Assuntos para lá, conversas para cá, emocionaram-se e de tudo disseram um pouco. Dos bons e severos professores que os orientaram desde o primário até à conclusão do ginasial.

Como não funcionava no colégio o pós-ginásio, cada um seguiu o seu caminho na rota de chegada ao ensino universitário. Ambos demonstravam muita emoção e saudade. Um deles era médico e o outro, engenheiro. Naquela época os cursos de medicina e engenharia eram os mais procurados e muito poucos eram vocacionados para o Ensino.

Curtido o reencontro casual, diga-se de passagem, resolveram comemorar tomando um vinho e a consequência foi um colóquio mais íntimo, entremeando o passado comum com o presente.

Um deles, o médico, já um pouco mais eufórico, olhando fixamente o seu interlocutor, fez-lhe uma pergunta:

-Como você definiria felicidade? E acrescentou:

-Você é feliz?

O engenheiro aparentou uma certa inquietação.  Depois de um tempo considerável, antes servindo-se de sua taça, respondeu:

-Felicidade é você saber ficar no lugar onde se encontra. Não viver alternadamente no passado e no futuro. Viver o presente e quando algum fato ou alguma coisa lhe desagradar procurar avaliar a importância que têm no universo de sua vida. Se assim você proceder verá que é possível ser feliz até quando estiver triste. Ah, e aceitar a vida pedacinho por pedacinho usufruindo dos bons momentos e reconstruindo-os nas horas difíceis.

Em seguida o engenheiro questionou:

– E você, o que me diz a respeito?

O médico pensou um momento e após um gole de água disse:

-Embora médico, sou um apreciador da poesia.  Como não sou um especialista em humanas, nem conhecedor de conceitos filosóficos e muito menos de ensinamentos dos grandes pensadores – reconhecendo minhas limitações – creio que felicidade é você não se martirizar e aceitar as coisas em sua simplicidade.

E complementou com um dos versos de uma poesia do violonista Toquinho:

‘‘PEGUE UM PEDACINHO DE AFETO E ILUSÃO
MISTURE COM UM POUQUINHO DE AMIZADE;
JUNTE COM CARINHO UMA PONTINHA DE PAIXÃO
E UMA PITADINHA DE SAUDADE”.

E concluiu: Aí está a receita e a mais singela definição de felicidade.

Os dois amigos se abraçaram e programaram um novo encontro, e tão emocionados estavam que se despiram das máscaras (dos tempos de Ômicron), que ficaram sobre a mesa e que o garçom lhes devolveu.

Robledo Morais
Escritor e Juiz Aposentado

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